quarta-feira, 30 de março de 2016

Antigas pirâmides e novos crimes financeiros

Um antigo golpe é conhecido no Brasil como pirâmide. Quem nunca recebeu uma proposta para que mandasse pequena quantia a pessoas em uma lista e como recompensa também receberia dinheiro de outros que se integrassem ao grupo? O resultado não pode ser diferente, os primeiros recebem retorno maior do que o investido, porém, como o número de envolvidos cresce em proporção geométrica, a base da pirâmide não encontrará quem lhes financie e arcará com o prejuízo.

Nos Estados Unidos, o golpe é conhecido como Esquema Ponzi, pois, na década de 1920, Carlo Ponzi, acabou por produzir algo semelhante. Também é de lá um recente e rumoroso escândalo envolvendo o financista Bernard Madoff. Apesar de todo o prestígio no mercado, o que Madoff ao final fez foi justamente pagar os clientes antigos com o dinheiro dos novos, pois, em normais aplicações não conseguiria rentabilidade a que se comprometeu. E mais uma vez, o prejuízo de milhares de investidores foi enorme.

É justamente com a versão moderna desse golpe que devemos nos preocupar. Talvez em razão do desenvolvimento econômico que o país vem experimentando nos últimos anos e da conhecida rentabilidade de algumas ações na bolsa de valores, existem aqueles que têm se aproveitado de terceiros para, de forma ilícita, captar sua poupança. Arvorando-se como profundos conhecedores do mercado de capitais ou do sistema financeiro, prometem grande rentabilidade, em troca de investimentos em operações complexas com ações, clube de investimentos, commodities, forex ou outros termos desconhecidos do grande público. O que antes era feito quase como um mero jogo ilegal, agora, valendo-se da credibilidade do mercado acaba por levar incautos a aplicar grandes somas, quando não todas as economias da família.

O sistema legal brasileiro tem, entretanto, previsão para esse tipo de conduta, caracterizando-a como crime. As ditas pirâmides estão previstas na Lei de Crimes contra a Economia Popular. A conduta de prometer considerável retorno do valor investido por meio de aplicações no mercado financeiro e de capitais merece outro tipo de resposta. O delito de estelionato previsto no Código Penal tem pena de reclusão para aqueles que obtêm vantagem ilícita em prejuízo alheio, mediante o uso de artifício ou ardil. Assim, estará caracterizado esse crime quando o autor prometer grandes ganhos financeiros, captar os recursos e simplesmente sumir, sem pagar ninguém.

O desafio atual é identificar e punir os responsáveis que se fazem passar por verdadeiras instituições financeiras, sem estar autorizados para tanto. A prática normalmente se inicia com poucas pessoas, como se fosse um clube de amigos a investir recursos. Ao fazer operar clube de investimento, todavia, especialmente com recursos destinados ao mercado de capitais, devem ser observadas as regras em vigor. A Comissão de Valores Mobiliários regula o assunto e exige vínculo do clube a uma sociedade corretora, banco de investimento ou sociedade distribuidora. A Lei nº 6.385, de 1976, em seu artigo 27-E, previu como conduta criminosa daquele que atua no mercado de valores mobiliários como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual ou, ainda, agente autônomo sem estar autorizado ou registrado perante autoridade administrativa competente.

Por fim, existe a proibição no artigo 16 da Lei nº 7.492, de 1986, de fazer operar instituição financeira sem autorização dos órgãos competentes. O responsável, em regra, estrutura uma empresa, muitas vezes constitui um site na internet onde mostra os valores aplicados e a rentabilidade, de forma a parecer um ambiente muito próximo ao de instituições financeiras verdadeiras e dar credibilidade ao seu negócio. A prática tem mostrado que em um curto período os investidores multiplicam-se graças à promessa de uma rentabilidade que não se vê no mercado financeiro e ao descuido em não verificar a regularidade da empresa contratada. É incrível como ainda hoje pessoas instruídas entregam grandes somas a terceiros, que conhecem muito pouco e não possuem a estrutura e regularidade exigidas para operar com recursos alheio. O resultado invariavelmente é o mesmo: o grupo, após crescer e passada a fase da euforia, começa a ter dificuldades em honrar os compromissos assumidos e, ao final, deixa a maior parte dos investidores sem o rendimento prometido e tampouco com o capital aplicado. Não se deve esquecer que o crime contra o sistema financeiro é antecedente ao de lavagem de dinheiro, conforme previsto no artigo 1º, VI, da Lei nº 9.613, de 1998.

Os interessados em aplicar golpes sempre existirão, especialmente com novas roupagens e pequenas variações. O Brasil, entretanto, tem legislação para pronta resposta aos infratores e, dessa forma, preservar o dinamismo e integridade do mercado financeiro e de capitais. Um pouco de cuidado aos investidores quando da decisão de escolher a quem entregar seu dinheiro também é de muita valia.

* por Alexandre Manoel Gonçalves, delegado de Polícia Federal, chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Mestrando em direito político e econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie / artigo publicado no jornal Valor Econômico

Postado Por: Portal Contábil SC

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